quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Hype TBT - A GAROTA DA FÁBRICA DE CAIXAS DE FÓSFOROS (1990) - "The Match Factory Girl" de "Aki Kaurismack"


     Nosso TBT de hoje relembra um clássico brilhante e erudito do cineasta finlandês Aki Kaurismäki, a parte final de sua trilogia do proletariado, que completa 30 anos em 2020 e permanece bem lembrada entre os cinéfilos mais refinados. Depois de Sombras no Paraíso (1986) e Ariel (1988), Kaurismäki não poupa esforços em criar uma obra atemporal que sofre influências de diretores como Jean-Pierre Melville e com leve semelhança a obras de Fassbinder, contando com atuações moderadas e uma história cinematográfica porém simples e atraente, transmitindo uma mensagem brutal sobre o capitalismo, sem deixar de lado o peso sentimental.

      O retrato da vida dessas pessoas tem uma pitada banal e peculiar de humor, que conversa um pouco com o cinema realizado atualmente pelo diretor Jim Jarmusch, que já declarou admirar o diretor. A produção também conhecida internacionalmente como "The Match Factory Girl", se encaixa de forma bastante consistente naquele tema de mulheres culturalmente reprimidas enfrentando tempos difíceis, buscando algum tipo de alívio na indiferença casual  e crueldade de homens insensíveis e sem consideração. A mensagem "não-verbal" expressa por esses personagens em longos períodos de silêncio nos levam a um ambiente quase particular do reticente diretor Kaurismäki, com conclusões dolorosas e até meio embaraçosas. A cena inicial de uma família carrancuda assistindo ao noticiário em um silêncio implacável e indiferente enquanto a tv mostra a cobertura de um massacre e a explosão de um gasoduto que mata centenas de pessoas dá o tom melancólico das relações familiares modernas, muito presente na nossa sociedade atual e encarada como "normalidade", ele faz questão de ressaltar elegantemente, "a vida é uma merda, aguente essa tristeza", uma das várias mensagens silensiosas que nunca realmente deixam de transitar em sua obra.


     Este é um filme fundamentalmente frio e que fecha a saga do diretor em compartilhar um tema comum de luta financeira, com protagonistas da classe trabalhadora que se veem levados a medidas desesperadas após serem encurralados por circunstâncias adversas. Mantendo sua duração abreviada, a história do filme captura um trecho breve, mas crucial da vida de Iris (Kati Outinen), uma jovem condenada ao trabalho enfadonho em uma fábrica de fósforos, onde ela labuta horas a fio em uma variedade de tarefas servis, principalmente monitorando pequenos pacotes de fósforos enquanto passam por várias estações na linha de produção. A maior parte de seu tempo é passada em um isolamento silencioso, grande parte do filme é estritamente visual, com um mínimo de diálogo. (A cena inicial do processo de produção do fósforo tem uma incrível beleza). Alguns desses memoráveis momentos são dedicados a personagens olhando um para o outro, silenciosamente, sem engajamento verbal. Alguns dos sentimentos mais desamparados do filme nem são falados mas acompanhados pelas poucas expressões da situação enfrentada, não apenas por Iris, mas também pela multidão anônima da rotina industrial. Quando as falas são transmitidas, elas são curtas e devastadoramente contundentes. 

     O mundo de Iris, com sua família, seus colegas de trabalho ou com um grupo de estranhos em um bar, é um lugar frio, solitário e alienado. O diretor joga isso como uma provocação a essa vida urbana muitas vezes sem qualquer sentido ou propósito, a sensação é como se todos tivessem mais ou menos esgotados e a maioria das conversas são apenas um meio de reforçar as limitações sociais observadas principalmente por meio de um código rígido e implacável de silêncio inquestionável, mas que provoca angústia. São diversos os caminhos de reflexão nessa parábola da vida de Iris e do que pode acontecer quando alguém acorda de uma inércia produzida por uma sociedade cheia de manipulações vazias e cínicas sobre a felicidade. O reflexo brutal de nossa sociedade é apresentado em um filme amargo, frígido e irônico que precisa ser descoberto. OLHAR PRECIOSO.

O filme foi lançado no Brasil pela Lume Filmes.





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