segunda-feira, 10 de agosto de 2020

UMA MULHER ALTA (2019) "Beanpole" de "Kantermir Balagov"


"Imersão feminina no pós guerra da Rússia se revela uma obra prima forte de um cinema vívido e deslumbrante." 

   O segundo longa-metragem do promissor diretor russo de 28 anos, Kantemir Balágov, ex-aluno do diretor Aleksándr Sokúrov, é também o segundo a ser premiado na Mostra "Un Certain Regard" do Festival de Cannes e teve carreira extensa e de destaque em diversos festivais pelo mundo. Longe de obviedades, a história se torna um drama brutal e silencioso, onde o jovem realizador decidiu tematizar a participação feminina na Segunda Guerra após ler “A Guerra Não tem Rosto de Mulher” (2013), de "Svetlana Aleksiévitch", obra literária que apresenta relatos íntimos de mulheres soviéticas que viveram o conflito. O filme se passa nos meses seguintes a guerra e seu retrato é sobre traumas e sequelas gerados e que permanecem ao longo de difíceis períodos de transição. O filme é principalmente sobre a complexidade de relações que oscilam entre amizade, amor e abusos. Uma Mulher Alta consegue subverter a velha convenção do cinema de guerra com personagens femininas protagonizando e movendo a história, cabe aos homens papeis secundários e fragilizados em uma produção caprichada e bastante elegante.


   Na trama, acompanhamos o trabalho de Íya (Viktória Mirochnitchênko) como enfermeira em um hospital de Leningrado pós segunda guerra, que sofre com os mortos e moribundos, ela está sujeita a ataques repentinos de uma paralisia. Ela cuida ainda do filho de Masha (Vassilíssa Perelyguina), sua companheira de front. Uma crise da doença de Íya, porém, terá consequências trágicas que desencadeiam mudanças na sua relação com sua amiga. Mesmo com o fim da guerra, nem todas as sequelas se apagaram. O gemido sufocado da jovem Íya, que periodicamente entra em um estado parasilisante, são os efeitos colaterais da dor constante da batalha e do vazio por dentro da protagonista, chamada de “varapau" e que no Brasil ganhou uma descrição elegante do apelido, "Uma Mulher Alta". Mesmo que não evolua drasticamente em seus argumentos, não se engane com o aspecto calculista da obra e como suas personagens chegam em nuances que fogem do senso comum da guerra ou mesmo, deixam claro que o foco são suas visões femininas, ainda que não tragam o conforto que esperamos.


    Mesmo em uma época que está sujeita a novas regras de contabilidade moral e os bondes atropelam suicidas como buracos, é difícil não encarar, por exemplo, uma fala sobre constituir uma “família normal" como uma ironia dirigida ao mundo de hoje e a certas padronizações disfuncionais que vão sendo estabelecidas. O argumento da história é tão forte que talvez não comova quem ainda se perde na guerra como confronto e batalha deixando de lado as consequências. A produção destaca também sua fotografia marcante em tons de verde assinada por "Ksênia Seredá", de 24 anos, além da trilha musical discreta que  ganha importância dramática, os ruídos e sons do ambiente ajudam a compor a sólida composição da melancolia retratada. A fachada de filme lento se desmorona na tensão de um mundo quebrado, mas que continua girando em uma inércia purgatorial. Uma Mulher Alta demora para descongelar de seu impacto emocional, atrasa o poder da história até seus momentos finais onde uma cena dolorosa após a outra demonstra o controle que essas mulheres possuem sobre si e assumem todas as maneiras pelas quais o amor pode ser mais frio do que a morte. OBRA PRIMA.



Hype: ÓTIMO (Nota: 9)

Onde ver: Streaming MUBI 

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