terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

BEGINNING (2020) - "Dea Kulumbegashvili"

 


A estreia surpreendente da escritora russa Dea Kulumbegashvili na direção é um soco no estômago de uma sociedade cada dia menos empática

       A Geórgia não é um país que costuma apresentar obras cinematográficas que se expandem ao mundo com forte entusiasmo, Beginning surge para quebrar esse paradigma e também mostrar um pouco do país que faz uma interseção da Europa com a Ásia, é uma antiga república soviética com aldeias na cordilheira do Cáucaso e praias no Mar Negro. A nação é famosa por Vardzia, um grande mosteiro em cavernas do século XII, e pela antiga região produtora de vinho de Cachétia. A capital, Tbilisi, é conhecida pela arquitetura diversificada e pelas ruas labirínticas de paralelepípedos de sua cidade antiga. Esses elementos do país já fazem a obra interessante por si só, somados por um visual arrebatador, uma intensa história sobre abusos e intolerância em uma estreia estonteante de uma empolgante nova voz do cinema europeu.


      Contado com um diálogo esparso e um sentido contemplador, Beginning tem trabalho de câmera extremamente lento e observador, desvenda a vida interior de uma mulher que enfrenta um casamento provincial e uma encruzilhada existencial que passa por obrigações familiares, o temor da religião e as consequências de fortes abusos. Ambientado em uma cidade provinciana no sopé das montanhas do Cáucaso, o filme conta a história de Yana (IIa Sukhitashvili), esposa de um líder de Testemunha de Jeová cuja comunidade está sob ataque de um grupo extremista. Em meio a esse conflito e com seu marido longe, Yana vive um crescente descontentamento interno, enquanto luta para dar sentido ao mundo ao seu redor. Em resumo, retrata a resiliência de uma mulher perante a hostilidade e a violência com consequências dramáticas e devastadoras. A necessidade de entender o mundo de uma personagem que sofre violência psicológica o tempo inteiro é um exercício complexo que choca também com as questões do Isolamento Social que vivemos atualmente


      A obra foi filmada com bastante sensibilidade, principalmente nas cenas de meditação e silêncio, quase mostrando o quanto nossa mente pode ser tornar um retrato do forte "barulho" ou interferência que recebemos e que podem nos comprometer internamente, assombrando nossos pensamentos e nos torturando a cada momento. Há cenas que podem durar até 7 minutos sem realmente acontecer nada e retrata o poder do cinema de reflexão, suas consequências são discretamente ditas por metáforas até o terço final avassalador. A personagem Yana não explica seus motivos, não justifica suas ações, como se suas atitudes estivesse destinadas a acontecer. Esse chocante fluxo de acontecimentos exterioriza o retrato de uma mulher em crise como o centro de um filme de arte com o poder de suas imagens hipnóticas. Beginning é uma experiência transformadora que celebra o cinema sensorial bem realizado e ainda com certo frescor intelectual, não chega a ser complexo mas muito marcante com seu forte poder de deslumbramento. OBRA PRIMA.


Escolhido da Geórgia para integrar a curadoria de Filme Internacional no Oscar 2021, exibido em diversos festivais como Cannes, Toronto, Rotterdam e San Sebastián, onde recebeu quatro premiações, entre elas, as de melhor filme e melhor direção.

O filme está disponível no Brasil com exclusividade pelo Streaming MUBI.

Hype: ÓTIMO - (Nota: 9,0)

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